Centro Cultural Solar de Botafogo
Rua General Polidoro . 180
UMA LENDA SUBURBANA
A excelência dramatúrgica e a modernidade de “Boca de Ouro” são razões sólidas o bastante para nos motivar a voltar nossos olhos para esta “Tragédia Carioca”, cujo autor, Nelson Rodrigues, dispensa comentários.
Entretanto, o que mais nos chama a atenção é o fato de Nelson nos deixar sem respostas em relação a real existência de “Boca de Ouro” no cerne de seu drama. Afinal, existe mesmo o “bicheiro de Madureira”? Ou tudo não passou de um delírio de nossas mentes insaciáveis, conduzidas pelas marés emotivas de Guigui, a suburbana que nos conta três versões de uma mesma história, sem nos satisfazer, ao final da peça, quanto a qual seria a “verdadeira versão”? Pode realmente ser possível alguém ter a pretensão de, ao morrer, ser enterrado num caixão de ouro? Ou de - movido por doentia vaidade - usar uma dentadura de ouro, tudo para afirmar seu “poder” e sua “imortalidade”, e sublimar seu nascimento numa “pia de gafieira”? A verossimilhança, em casos desta natureza, cai por terra! Mas Nelson rechaça com vigor o império da veracidade! Seu ataque aos “idiotas da objetividade” atesta o repúdio do autor a tudo o que nega a subjetividade, talvez a única “realidade” palpável. Ao fim de tantas especulações, é como se o autor nos gritasse, por trás de suas saborosas peripécias narrativas: “Não há verdadeira versão! O que há são apenas probabilidades, todas inteiramente possíveis!”
É provável que Nelson tenha pretendido colocar em questão, com mais este tropo dramático, não exatamente a maldade humana (que parece ilimitada), mas precisamente nossa capacidade de imaginar o quanto a maldade pode ser má. E isso, por irônico que seja, depende menos dos reais atributos do “Boca de Ouro” do que de nossas mentes inevitavelmente comprometidas com a perversão e seus poderes devastadores. Outro alvo evidente do autor na peça é o jornalismo impresso. Como jornalista, Nelson era um convicto ao afirmar as tendências “maquiavélicas” de um certo tipo de imprensa, tão leviana quanto nossas mentes no sentido de reinventar e reforçar os piores atributos do gênero humano, e com nenhuma outra intenção senão a de promover o lucro!
Sabemos todos o quanto pesa a dor e a responsabilidade de fazer este cruel acerto de contas entre nós e nós mesmos! É justo assim que nos sentimos ao encarar a pedreira de levar Nelson aos palcos. E muito embora já tenham dito que suas personagens são obsessivas e doentias demais para expressar a alma humana, também sabemos - nas profundezas de nossa intimidade - o quanto nossos crimes não compensam.
Adriano Garib
Nelson Rodrigues
Adriano Garib
Dóris Rollemberg
Wilson Reiz
Paola Giancoli
Analine Barros
Bernard Herrmann
Aloan Pimentel
Anabel Castro
André Belculfine
Chimene Stefanini
Evandro Viegas
Julia Blum
Kamila Anhê
Lazuli Galvão
Luciana Sol
Rodrigo Becker
Rodrigo Escócia
Thaíra dos Santos